A inteligência artificial tem tanto de assustador como de mágico. Como poderá ajudar, por exemplo, um cozinheiro no desempenho das suas funções?
“A inteligência artificial tem sido cada vez mais utilizada na hotelaria e na restauração, proporcionando benefícios tanto para os clientes quanto para os negócios. Um dos exemplos mais notáveis desta tendência é o uso do chatbot GPT-3, que permite aos clientes obter informações e fazer reservas de maneira rápida e fácil, enquanto ajuda os negócios a melhorar a eficiência e aumentar a satisfação dos clientes. Neste artigo, vamos explorar como o chatbot GPT-3 está impactando a hotelaria e a restauração, e discutir por que a inteligência artificial é cada vez mais importante nestes setores.”
O que acabam de ler é um parágrafo criado por uma máquina a quem pedi o favor de me redigir um pequeno texto introdutório para este artigo acerca da importância da inteligência artificial no domínio da Hotelaria e da Restauração. O chatGPT, um operador de inteligência artificial que se expressa em linguagem acessível a humanos, é uma das materializações desta tecnologia já acessível através da web.
Muitos são já os exemplos conhecidos em que esta ferramenta pode operar, alguns questionáveis no plano ético e moral, é certo. No entanto, vislumbram-se vários cenários de conversão de ameaças em oportunidades, sendo esse o tema a que nos propomos neste artigo, no caso adaptado à Hotelaria e à Restauração.
A realidade simplificada por detrás do chatGPT
A capacidade de gestão eficiente de largas quantidades de dados em nanossegundos permite ao robot a identificação de respostas, padrões, antecipações e tendências que – coligidos – permitem a construção de uma resposta idónea e assertiva sobre uma determinada matéria, mesmo que implique relacionar informação e a resposta é sempre estruturada para que o ser humano a entenda. Assim, quem experimentou esta ferramenta, por certo já fez das questões mais complexas ou até do seu domínio profissional, num tom um tanto desafiante “só para ver se a máquina sabe disto”. E percebeu-se que sim, não foi?
Ora, falamos, pois, em acesso e estruturação de conhecimento.
Todas as indústrias, e especificamente a Hotelaria e a Restauração, passam agora a ter uma ferramenta que devolve a resolução de problemas, por vezes complexos, no plano teórico e prático, no imediato e à distância de uma pergunta. Um clique.
Respostas concretas a problemas complexos na Hotelaria e Restauração
São muitos os exemplos que poderíamos dar e não seriam exaustivos.
Desde sugestões de política de atração e retenção de recursos humanos a questões puramente técnicas como dicas de configuração daquele channel manager para gestão de reservas, tudo são pesquisas já efetuadas no software.
Toda a informação passa a estar ali concentrada. Alguns exemplos práticos: o chatGPT permite a compilação de informação dispersa sobre um destino turístico para a criação de uma brochura; permite consultas de cenários mais interpretativos como novas tendências em gestão da Hotelaria e Restauração, por exemplo, em matéria de estratégias de pricing com resultados imediatos; estratégias para evitar no-shows. E ainda cenários mais concretos: principais desafios do mercado turístico português ou ainda perguntas de complexidade acrescida e relacional como por exemplo qual a importância da refrigeração de produtos na satisfação do cliente (!). Ou, tão-somente, se procura para o seu espaço de eventos dicas de como dobrar um guardanapo com formas zoomórficas para o aniversário de uma criança. Todos estes são assuntos a que o bot não foge.
A certeza é de que vem, inclusive, revolucionar a criatividade gastronómica permitindo, por exemplo, a um cozinheiro refrescar os seus conhecimentos de receituário e ter aqui um sous-chef na definição conjunta de uma nova carta.
Chef ChatGPT
Exagero? Não me parece. Aqui me detive hoje mesmo, neste tópico e dou-vos em seguida conta da evolução deste processo.
Pedi ao chatGPT que me criasse um prato com ouriço do mar. Devolveu-me em 2 segundos a receita de um risotto com o seu modo de preparação. Porém, disse-lhe que precisava algo um pouco mais fresco para uma carta mais leve, com o mesmo ingrediente principal.
Propôs-me em ato contínuo um ceviche de ovas de ouriço do mar, com jalapeños, ají, lima, coentros. Enfim. Tudo comme il faut. Instrui-me ainda, numa nota, como deveria abordar os meus clientes na apresentação deste prato, reforçando a sua frescura e o facto de as ovas serem consumidas frescas seria perfeito para percecionar todos os aromas naturais do produto e uma ótima seleção para uma refeição ligeira ou uma entrada, inclusive.
Depois de dois pedidos de aprimoramento, sempre com ouriço do mar, apresentou-me mais duas sugestões: tártaro de ouriço do mar e ainda parfait de ouriço do mar. Era, no seu entendimento, das formas mais eficazes de respeitar o produto e de lhe conferir um toque de luxúria.
Por fim, já cansado da sua invencibilidade, pedi-lhe que me trabalhasse o prato (e o mesmo ouriço do mar) para que o incluir num menu de degustação de um restaurante de fine-dining.
Apresentou-me a ficha técnica de um ouriço do mar com espuma de Uni, o órgão sexual do ouriço do mar que reproduz as ovas, e acrescentou: as notas a mar e a técnica apresentada seriam um deslumbre para apresentar para apresentar um prato “criativo” e “moderno” que permitem apresentar os sabores delicados do ouriço do mar.
Recostei-me.
A expansibilidade e a transversalidade do mecanismo fascinam-me tanto quanto me assustam. Riscos parecem-me, tanto quanto percebo, serem os mesmos de sempre: o plágio que espreita e a pouca moral humana na utilização de informação alheia, em suma, a criatividade “emprestada”.
Não são, por enquanto, conhecidos preços de utilização, mas as oportunidades, insisto, espreitam.
Fiz-lhe, por fim, um pouco a medo, mas também para que registasse a minha valentia humana em lidar com respostas imprevistas, se algum dia a inteligência artificial iria suplantar a inteligência humana? Não sei se por simpatia ou necessidade, o bot respondeu-me que não, porque falta à inteligência artificial a capacidade de sentir e de ter inteligência emocional, assim como a criatividade para criar conhecimento. Assim julgo. Porém, de que tecnologias similares dão margem ao Ser Humano para se aperfeiçoar nas suas tarefas e atividades, não me resta qualquer dúvida.
Óscar Cabral
Declaração de interesses: Todo o artigo, com exceção do parágrafo introdutório, é da minha autoria (não vá o diabo tecê-las…).